Gabriel Chalita e o padre Fábio de Melo reabilitaram a epístola. Seus livros de cartas que enviaram um para o outro são bestsellers
Redação ÉPoca
Não há registro no livro de local ou de data de cada uma das 18 cartas trocadas. “Os assuntos de que tratamos ali são atemporais”, afirma Chalita. Aos 41 anos, formado em Direito e filosofia, Chalita é professor de graduação e pós-graduação da PUC-SP e da Universidade Mackenzie, membro da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Educação. Em 2008, foi o vereador mais votado nas eleições municipais paulistanas, com 102 mil votos. Já lançou 50 obras – o primeiro título quando tinha 11 anos: uma carta dirigida a Deus, perguntando por que seu irmão, com síndrome de Down, não se curava.
O padre Fábio de Melo, de 39 anos, é formado em filosofia e teologia. Já lançou crônicas, contos e ensaios filosóficos. É referência hoje no universo da música cristã. Seus 12 CDs ultrapassaram a marca de 2 milhões de cópias vendidas e transformaram-no em ídolo popular.
Chalita conheceu padre Fábio há seis anos no programa de entrevistas que apresenta na rede Canção Nova, ligado ao movimento católico conhecido como Renovação Carismática. A afinidade dos dois em filosofia e literatura conduziu à amizade e à intensa troca de e-mails sobre temas contemporâneos. “A gente não discutia nada previamente ou decidia sobre o que trataríamos em nossos e-mails”, diz Chalita. “Não houve pesquisa de nenhum dos lados. Escrevemos sobre as experiências que estávamos vivendo.”
No novo volume, intitulado ao estilo dos filósofos clássicos como Sobre ganhar e perder, Chalita inicia uma carta contando “os horrores praticados na Tanzânia contra os albinos”, história relatada por uma jurista num congresso de direitos humanos. Por lá, há uma superstição: os albinos são vítimas de rituais de mandinga e sacrificados. Muitos tanzanianos acreditam que o sangue ainda quente dos albinos traz sorte. Vencer, para os feiticeiros da Tanzânia, é realizar a proeza de matar albinos e sorver-lhes o sangue ainda quente. Na resposta de padre Fábio, ele destaca o entendimento equivocado do conceito: “É lamentável que nos dias de hoje ainda tenhamos de admitir tamanho absurdo. O fato nos leva a compreender que, em muitos lugares do mundo, o respeito ao ser humano ainda não aconteceu. Ele ainda está condicionado a fatores culturais”.
O diálogo mantido ao longo do livro é comparado pelo padre Fábio aos debates na ágora, praça das antigas cidades gregas onde era realizada a troca de mercadorias e de ideias. À maneira dos filósofos gregos, ele se debruça sobre o que define como “a filosofia do cotidiano, a reflexão nossa de cada dia”.
Além do tom intimista, outro recurso usado pelos missivistas para aproximar essa filosofia do leitor é citar poemas, romances, estudos e filmes. A vida dos outros, longa-metragem alemão, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007, é lembrado por Chalita como exemplo do interesse que as relações humanas despertam. No filme, um espião da Stasi, a polícia secreta do governo alemão oriental, se sente tocado pelo drama vivido pelo casal que espionava e, anonimamente, acaba por ajudá-lo. Chalita cita ainda A era dos direitos, do filósofo italiano Norberto Bobbio, como exemplo da importância do estado de direito, da democracia, da paz e de valores humanos: o aprendizado com as diferenças e o amor.
Em Cartas entre amigos – Sobre ganhar e perder, assim como em Sobre medos contemporâneos, Chalita e padre Fábio procuram promover uma reflexão sobre as relações humanas e tudo o que as envolve: sentimentos, pensamentos e atitudes. Padre Fábio relembra os dizeres bíblicos e compara a boa palavra ao bom alimento, ambos necessários a uma vida saudável. “Uma boa reflexão pode mudar o rumo de uma vida”, diz ele. “As pessoas erram muito porque refletem pouco.” As palavras trocadas pela dupla revelam como o e-mail pode ser um gênero de comunicação enriquecedor.
Trechos de uma carta de Gabriel Chalita
“Querido amigo,Este é um ensinamento fundamental: não permitir que a nossa vida caia no banal. Ler Dostoiévski, Tolstói, ou ouvir as histórias de Rosa, ou de dona Ana, ou de dona Anisse; beber em Padre Vieira, ou em mulheres e homens que nas praças e nas esquinas oferecem o paladar apurado pelo tempo; tudo isso nos tira do banal e nos empresta ornamentos para nossa travessia. Amigo, quando escrevo para você, escrevo para mim também. O verbo vai ganhando autonomia. As palavras são desafiadoras. Fico pensando se de fato eu paro, nem que seja em algumas janelas, para contemplar as vidas que se escondem por detrás dos véus das cortinas ”
Trechos de uma carta de Fábio de Melo
“Meu amigo Gabriel,sua carta me proporcionou uma pequena viagem literária. Foi interessante reencontrar o contexto profundo dos personagens de Machado, atado à retórica eloquente de padre Vieira. De um lado está o escritor que não temeu descrever as mazelas humanas. A escrita vigorosa de Machado colocou à luz o subterrâneo da condição humana. De outro, está o homem que cresceu sob a luz esperançosa da fé cristã. O que por Machado foi revelado com perspicácia e ironia, por ele foi refletido a partir de rebuscadas teologias. A condição frágil e inacabada do ser humano encontra redenção no Evangelho que padre Vieira anuncia"
Fonte: Revista Época
Clique aqui e participe da nossa comunidade no Orkut
Nenhum comentário:
Postar um comentário